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Gilberto Dimenstein costumava comparar o corpo social ao corpo humano: “Assim como nós precisamos de glóbulos brancos para combater as infecções do nosso organismo, a sociedade também precisa de cidadãos capazes de atuar como glóbulos brancos para protegê-la das injustiças sociais, dos desmandos políticos e dos riscos ambientas. Sempre tive o maior orgulho de fazer parte deste grupo”.
O Olhar para os Invisíveis
A preocupação com o outro e o compromisso com a garantia de seus direitos sempre estiveram presentes na vida do jornalista. Ele conta que era ainda muito pequeno quando a avó lhe pediu para levar uma galinha de volta para o poleiro. Quando chegou lá, achou tudo aquilo muito injusto e libertou todo o galinheiro. Foi então que, apesar da pouca idade, descobriu que a sua missão neste mundo era libertar as pessoas de injustas amarras.
Foi este o sentimento que o impulsionou a produzir reportagens investigativas, com o intuito de libertar o Brasil de tiranias políticas, corrupções e mazelas sociais. Foi também esta a motivação que o levou a denunciar o extermínio de meninos em situação de rua, a exploração sexual de meninas nos garimpos, a mortalidade infantil, o descaso com a educação pública, entre muitos outros dramas da infância brasileira até então naturalizados ou pouco conhecidos pela sociedade. Mais adiante, foi ainda esta intenção que o levou a buscar soluções efetivas e mobilizar os mais diferentes segmentos da população – lideranças políticas, empresariais, sociais, empreendedores, cientistas, estudantes, professores – a exercer a sua cidadania e fazer a sua parte no enfrentamento desses problemas.
Em sua primeira grande reportagem sobre a violação de direitos da infância e adolescência, Dimenstein investigou o homicídio de meninos negros e pobres por grupos de extermínio, em seis das principais capitais brasileiras. A coleta de evidências envolveu a realização de mais de 300 entrevistas que, analisadas à luz de dados estatísticos e outros documentos, revelaram um esquema de assassinato em massa. O resultado da investigação foi divulgado na Folha de S. Paulo e no livro A guerra dos meninos (1990), gerando grande comoção dentro e fora do Brasil.
Importante considerar que a divulgação dessas informações aterradoras aconteceu no final dos anos 80, quando o Brasil iniciava o seu processo de redemocratização, a pauta dos direitos humanos ainda era pouco debatida e as crianças e adolescentes em situação de rua costumavam ser percebidas como ameaças, e não vítimas da negligência e do preconceito da sociedade.
Em meio a este contexto, as reportagens de Dimenstein sensibilizam a opinião pública e fortalecem a atuação de organizações do governo e da sociedade civil preocupadas em implementar o recém-criado Estatuto da Criança e do Adolescente. Em nota a propósito do falecimento do jornalista, o Unicef resgata a sua relevância para este movimento, ressaltando que “Gilberto, como poucos, soube fazer do jornalismo uma ferramenta de transformação social. Suas grandes reportagens e seus livros traziam um olhar cuidadoso e preocupado sobre as meninas e os meninos brasileiros. Muitas vezes, traziam alertas e faziam com que o poder público e a sociedade se mobilizassem para proteger as crianças e os adolescentes mais vulneráveis, sobretudo aqueles mais difíceis de serem alcançados, que sofrem violência, invisíveis aos olhos da sociedade.”
Com a criação da ANDI – Agência de Notícias pelos Direitos da Infância (atualmente ANDI – Direitos e Comunicação), Dimenstein encorajou seus colegas da imprensa a também darem mais visibilidade a grupos e indivíduos sistematicamente ignorados até mesmo pelas políticas e serviços de atenção social.
Personagens e Livros
Em 1999, o jornalista cruzou com Esmeralda Ortiz, que havia passado a adolescência na rua, envolvida com drogas e outras mazelas, entrando e saindo de instituições de privação de liberdade, como a Fundação Casa. A jovem lhe pediu que escrevesse um livro sobre a sua vida, e o jornalista usou o seu talento para ajudá-la a ser autora da sua própria biografia. Deste encontro nasceu o livro Esmeralda: por que não dancei, que revelou o cotidiano de meninos e meninas em situação de extrema vulnerabilidade social e transformou a vida tanto da escritora quanto do seu mentor, como conta a própria Esmeralda, atualmente formada em jornalismo.
O processo de escrita orientada se repetiu com Gilvã Mendes, vítima de paralisia cerebral ao nascer, cadeirante, com dificuldades de falar e até de movimentar os dedos, pobre, negro e nordestino, que queria ser poeta. Encorajado pela publicação do seu livro Queria brincar de mudar o meu destino, recentemente selecionado para o PNL – Programa Nacional do Livro Didático, o escritor baiano se formou em psicologia e publicou diversas outras obras.
O olhar apurado de Dimenstein seguiu identificando outros personagens ignorados pela sociedade, porém igualmente admiráveis, muitos dos quais foram retratados nos livros Heróis invisíveis (2004) e O mistério das bolas de gude: histórias de humanos quase invisíveis (2006).
Publicação mais impactante de Dimenstein na área dos direitos humanos, o livro O Cidadão de papel (1993) recebeu o Prêmio Jabuti e tornou-se o maior sucesso editorial do jornalista. Ao abordar temas como cidadania, ética, violência, trabalho e renda, meio ambiente, cultura e educação de maneira contundente, porém fácil de ser compreendida, o livro permitiu que milhões de jovens brasileiros entendessem melhor os desafios socioambientais do seu país e a importância de atuar como cidadãos responsáveis para transformar esta realidade.
A produção literária de Dimenstein neste campo ainda inclui diversas outras publicações, como: Meninas da noite (1992); Democracia em pedaços: Direitos Humanos no Brasil (1996); Verdades e mentiras: ética e democracia no Brasil, com Mario Sergio Cortella, Leandro Karnal e Luiz Felipe Pondé (2016); Quebra-cabeça Brasil: temas de cidadania na História do Brasil, com Álvaro Cesar Giansanti (2019).