Cérebros de São Paulo

Em meio ao caos, à barbárie e à ignorância, a capital paulista vai aprendendo a nutrir talentos em diversas áreas.

DEPOIS DE FAZER UM MACACO mover um computador apenas com o cérebro, Miguel Nicolelis virou uma estrela mundial das neurociências e entrou na lista dos candidatos ao Prêmio Nobel de medicina. Não há centro de pesquisa que não lhe abra as portas, mas um dos seus projetos é abrir a porta da escola pública em que estudou, transformando-a num laboratório para estimulação de cérebros.
Graduado na USP, Nicolelis mudou-se ainda bem jovem para os Estados Unidos. Recentemente, foi se reconectando profissionalmente com São Paulo, onde criou, no ano passado, com o hospital Sírio-Libanês, um centro de neurociências que, entre outras coisas, vai implantar chips em cérebros de vítimas de paralisia capazes de acionar próteses ligadas ao corpo.
Ficar mais tempo na cidade levou-o a rever o colégio Napoleão de Carvalho, em Moema, onde cursou até a oitava série. Saiu da visita com vontade de desenvolver ali um projeto para aproximar os pedagogos das descobertas da neurociência. Na semana passada, seu projeto ganhou o nome provisório de “Escola do Cérebro”.
A mistura de chips em vítimas de paralisia e um laboratório de neurociência numa escola pública falam mais dos movimentos do cérebro da cidade de São Paulo do que os debates feitos pelos candidatos à prefeitura -afinal, esse debate, por enquanto, como mostrou a TV Bandeirantes na semana passada, é basicamente composto de obviedades, banalidades e pegadinhas de marketing.


Há uma São Paulo que ainda nem remotamente apareceu no debate eleitoral. Em meio ao caos, à barbárie e à ignorância, São Paulo vai aprendendo a nutrir talentos.
Candidata-se a ser um dos centros planetários da chamada economia criativa, uma das atividades globais mais prósperas -a produção de riquezas que vai de software, música, teatro, cinema, passando por design, publicidade, até dança, arquitetura e moda.
Ainda estamos engatinhando, se comparados a Nova York, Londres ou Milão. Mas há sinais estimulantes de vários lados -alguns deles inesperados. Na semana passada, o coreógrafo Ivaldo Bertazzo inaugurou um teatro-escola no ponto mais degradado da já muito degradada cracolândia. O governo estadual anunciou a criação de uma escola para formação das mais diferentes atividades ligadas ao teatro (do ator ao iluminador) na não também menos degradada praça Roosevelt, convertida nos últimos anos em pólo alternativo de cultura.


A descoberta de uma vocação vai, aos poucos, mudando a paisagem urbana, como na cracolândia ou na praça Roosevelt. Dezenas de milhares de jovens voltam à região central, atraídos pelas universidades, centros culturais ou vida noturna.
Galpões abandonados com o desaparecimento das indústrias em bairros como a Barra Funda e a Vila Leopoldina estão abrigando estúdios e ateliês para as mais diversas produções culturais. Se alguém olhar essas áreas de helicóptero, notará que todas as regiões, separadas, começam a se conectar por uma vocação.
Toda essa movimentação é assegurada porque, aos poucos, espalham-se cursos em ensino superior, voltados ao mercado de trabalho.
São vários os cursos superiores voltados à moda, ao design, ao marketing e à informática, que atraem não só acadêmicos, mas também profissionais de sucesso. Exemplos: Alexandre Herchcovitch, um dos mais famosos estilistas brasileiros, virou professor; Cláudio Haddad, depois de ficar milionário nos negócios, abriu uma escola de administração; Alex Atala, considerado um dos melhores chefs de cozinha do mundo, vai ensinar, no Instituto do Câncer, da USP, como desenvolver uma nova culinária hospitalar. Está na agenda de Paulo Borges, criador da São Paulo Fashion Week, lançar um centro de estudos de moda.

Estão em andamento inovações curriculares que fazem uma Fundação Getúlio Vargas preparar advogados para os negócios, a Faap treinar produtores culturais, o Senac formar gestores em arte, a ESPM ensinar marketing aplicado à internet, a PUC oferecer uma graduação apenas em multimeios. A USP tem uma graduação dedicada apenas ao lazer.
Aí está uma das bases para que se assegure que a economia criativa se transforme na vocação de uma cidade, mas ainda é muito pouco -é necessário um arranjo que envolva iniciativa privada, universidades, governos federal, estadual e municipal, a exemplo do que vemos na Inglaterra, onde existe um ministério apenas para a economia criativa.
Devido à geração de bons empregos, poucas coisas seriam tão importantes do que um prefeito pensar grande e dizer como poderia facilitar a indústria da criatividade -a prova da falta de criatividade da campanha (e dos políticos) é a ausência de uma proposta que nutra cérebros.


PS- Coloquei em meu site(www.dimenstein.com.br)textos sobre economia criativa. Um deles é do embaixador Rubens Ricupero sobre a importância da economia criativa. Como ex-secretário da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), ele ajudou a colocar o tema na agenda do comércio mundial. Aliás, Ricupero é mais um exemplo de professores antenados com o mercado: passou por importantes cargos na diplomacia brasileira e internacional e, agora, dá aula em São Paulo. Uma de suas idéias, que começa a sair do papel neste semestre, é um curso de economia criativa na Faap.