Deveríamos olhar com mais atenção para doenças que podem produzir marginais e alunos incapazes de aprender |
SE SEU filho ou aluno é esperto, mas tem muita dificuldade de aprender, preste atenção a estas estatísticas de associações psiquiátricas: entre 5% e 17% dos brasileiros sofrem de dislexia, perturbação na aprendizagem da leitura que leva a pessoa a embaralhar letras e números; pelo menos 7% têm, em algum nível, distúrbio de atenção e hiperatividade.
Essas porcentagens se traduzem em crianças e adolescentes abatidos em sua auto-estima, marginalizados, chamados de “burros” por pais e professores. Ou, pior, transformados em assassinos, traficantes ou assaltantes. Investigações em várias partes do mundo detectam alta incidência de presos com histórico de distúrbios neurológicos que dificultam a aprendizagem. Em Londres, estima-se que 50% da população carcerária sofra ou tenha sofrido desses distúrbios.
O psiquiatra Arnaldo de Castro Palma entrevistou detentos de Curitiba e concluiu que 65% deles apresentavam doenças associadas à dificuldade de aprender. Neste momento, o Instituto de Psiquiatria da USP está avaliando 5.000 internos da Fundação da Casa (antiga Febem). A julgar pelas informações preliminares, os pesquisadores encontrarão resultados preocupantes. Isso significa que essas doenças levam ao crime?
Obviamente, não. Se fosse assim, homens como Walt Disney, Einstein, Thomas Edison, Steven Spielberg, Louis Pasteur, apresentados em livros e congressos médicos como portadores de distúrbio de atenção, teriam sido improdutivos. Já que o país está cada vez mais preocupado com os estarrecedores indicadores de violência e de educação, deveríamos olhar com mais atenção para doenças que podem produzir marginais e alunos incapazes de aprender.
Suponhamos que os problemas psicológicos, incluindo não só os distúrbios de atenção, a hiperatividade e a dislexia mas também a depressão e a ansiedade, atinjam 20% dos estudantes. Qualquer psiquiatra diria que eu estou sendo demasiadamente otimista, mas deixemos assim.
Suponhamos também que, como indicam muitas pesquisas científicas, 30% deles tenham verminoses, asma crônica, rinite alérgica, anemia por falta de ferro, deficiências visuais e olfativas. Mais uma vez, estou sendo otimista na porcentagem. Só os problemas respiratórios, como a asma, atingem mais de 15% dessa população.
Na melhor das hipóteses, temos o seguinte: para cada dez estudantes, três terão dificuldades de aprender por causa não do professor ou da qualidade de ensino, mas de uma deficiência física ou psicológica.
Os filhos de famílias mais ricas, quando apresentam problemas de aprendizado, recebem tratamento médico e psicológico, além de aulas de reforço com professores particulares. Em geral, os colégios de elite são compreensivos e os ajudam a prosperar, entendendo o seu ritmo; os estudantes que, ainda assim, não conseguem acompanhar o ritmo das aulas mudam de escola antes da repetência.
Em sua maioria, eles amadurecem, descobrem um talento e, graças a todo esse apoio, aprendem a se virar sozinhos.
Já os mais pobres vão se degradando nas suas doenças e entram num círculo vicioso: não conseguem reter a informação, são desprezados, perdem a autoconfiança e passam a acreditar que são mesmo “burros”. Estudam em salas superlotadas, com professores desmotivados, que desenvolvem um currículo sem a menor conexão com o cotidiano. São poucas horas de aula, sem direito a reforço. A terapia encontrada para ajudá-los é fazê-los repetir o ano; pais e professores das crianças se unem para dar uma “lição” aos vagabundos.
Maria Mônica Bianchini, uma das pesquisadoras do Instituto de Psiquiatria da USP na Fundação Casa, afirma: “A baixa auto-estima pode significar abuso de drogas e álcool”. Gera-se mais um círculo vicioso -muita droga, pouca atenção. Isso não quer dizer que eles entrem necessariamente no crime, mas o fato é que recebem poucos estímulos para serem produtivos. Dependendo do lugar em que vivam e da família que tenham, o risco de delinqüência é gigantesco.
É, em poucas palavras, um massacre de inocentes. Prepara-se, assim, o campo para o surgimento dos analfabetos funcionais ou dos criminosos -ou das duas coisas juntas. A pesquisa do psiquiatra Arnaldo de Castro Palma mostra que, em Curitiba, 80% dos presos são analfabetos funcionais, uma quantidade igual à dos que apresentam distúrbios de aprendizagem como dislexia, déficit de atenção e hiperatividade.
Não é possível, assim, confiar na consistência de nenhum, rigorosamente nenhum, projeto de melhoria de ensino e de segurança que não leve em conta as questões da saúde psicológica e física no aprendizado.