Agentes comunitários passaram a fazer baladas, com os melhores DJs, em que bebidas são proibidas.
Um grupo de adolescentes aprendeu, neste ano, técnicas de comunicação e marketing com o objetivo de disseminar, na maior favela de São Paulo (Heliópolis), informações sobre os perigos do uso abusivo do álcool. Eles se propuseram a encontrar uma linguagem que fosse, ao mesmo tempo, precisa cientificamente e, de fato, convincente para o paladar dos jovens.
Na quarta-feira passada, foram apresentados os primeiros resultados do projeto em um seminário em que estavam presentes cientistas, médicos e educadores.
A pesquisa foi realizada pela antropóloga Luciana Aguiar, formada pela Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, e pelo economista e demógrafo Haroldo Torres, da Unicamp, que fez curso de especialização em Harvard.
As tabelas apresentadas exibiram indícios de que aqueles adolescentes, transformados em agentes comunitários de comunicação para a promoção da saúde, conseguiram inventar uma prática -que pode ser disseminada- para enfrentar ou, pelo menos, reduzir o dano da dependência química no geral e do álcool em particular.
A relevância da experiência é óbvia: a guerra que vemos no Rio de Janeiro nos remete à questão da combinação de jovens com marginalidade e drogas. E é reforçada mais ainda por um estudo divulgado em primeira mão durante o seminário, segundo o qual, na cidade de São Paulo, 33% dos estudantes do ensino médio ficam “altos” pelo menos uma vez por mês. O levantamento foi realizado neste ano pela Universidade Federal de São Paulo.
O assunto ganhou mais força também porque, na semana passada, o futuro secretário da Saúde de São Paulo, Giovanni Guido Cerri, anunciou que a prioridade de sua gestão será o combate ao abuso do álcool. Uma das principais armas nessa luta, segundo ele, será a educação. “Esse é um raciocínio que vale para a dengue: quando recebem informação e não deixam a água parada em casa, as pessoas não ficam doentes.”
Com base em pesquisas quantitativas e qualitativas, os resultados apresentados pela antropóloga Luciana Aguiar ainda demonstram uma situação muito distante do desejável. Mas há sinais interessantes. O que despertou a atenção foi a comparação. Montou-se o que se chama de “grupo de controle”. Acompanhou-se também a favela de Paraisópolis, onde esse programa de jovens que comunicam informações sobre álcool não foi implementado. São duas comunidades semelhantes tanto do ponto de vista social como do demográfico, além de contarem com organização política parecida.
Depois de seis meses de atuação dos agentes comunitários, o que se viu em Heliópolis foi um aumento do número de jovens que passaram a ver o risco da dependência da bebida. Em Paraisópolis, ao contrário, esse indicador piorou.
Para converter a percepção em ação, no entanto, é preciso percorrer um longo caminho. Um dado é alentador. Houve um decréscimo significativo do uso do álcool nas festas promovidas pela própria comunidade em Heliópolis.
Para isso existe uma explicação. Na estratégia de comunicação, os agentes comunitários passaram a fazer baladas, com alguns dos melhores DJs da região, em que a bebida é proibida. Também se criaram festivais de música com temas voltados à saúde.
A base do programa começou na rádio comunitária local e, em seguida, acoplaram-se profissionais de marketing e design. Os jovens das comunidades passaram a ser reconhecidos e valorizados.
Ainda é cedo para uma avaliação mais precisa do programa que mistura escolas públicas, especialistas em saúde, organizações locais, educadores, comunicadores profissionais e uma empresa (AmBev).
Os indícios positivos confirmam o que muitos educadores sabem: é o que geralmente ocorre quando o jovem, assessorado por adultos, é visto não como um problema, mas como uma solução.
PS- Coloquei no meu site (www.dimenstein.com.br) um resumo da pesquisa comparativa entre Heliópolis e Paraisópolis. Já no próximo ano, o programa deve ser levado para mais comunidades do Rio de Janeiro e de São Paulo.