Os resultados do provão apresentados ontem não conseguem medir com precisão até onde vai a qualidade de ensino da faculdade, devido à interferência de fatores que nada têm a ver com a qualidade dos professores, laboratórios ou biblioteca -é, portanto, apenas uma amostra parcial do desempenho acadêmico.
É o que se pode afirmar a partir dos próprios dados coletados pelo Ministério da Educação.
O perfil socioeconômico dos estudantes que se submeteram ao Exame Nacional de Cursos, o provão, mostra que a qualidade da faculdade é responsável apenas em parte pela nota do aluno -ou seja, o sucesso ou fracasso do aluno não pode ser atribuído só à qualidade dos professores, laboratórios, bibliotecas ou currículos.
Cruzou-se o perfil socioeconômico dos alunos com as notas, mostrando que as melhores pontuações começam a ser conquistadas fora da salas de aulas -assim como as piores notas.
Quem tirou nota A, de acordo com os dados do Ministério da Educação, são solteiros, estudaram em escolas privadas, filhos de pais com escolaridade mais elevada, renda alta, dominam língua estrangeira, informática (usuários de Internet).
Já chegaram à faculdade com uma bagagem cultural, favorável ao aprendizado, com hábito de leitura e pesquisa. A partir dessa vantagem, eles atingiram melhor pontuação porque entraram em faculdade com professores de melhor titulação, bibliotecas, laboratórios, turmas menores em sala de aula.
Aqueles que tiraram a nota mínima (E) chegam à faculdade com defasagens e obstáculos -são, por exemplo, casados, estudaram em escola pública, trabalham porque são filhos de pais com baixa renda e escolaridade, não falam língua estrangeira e não usam computadores.
Por trabalhar, eles estudam em horário noturno, sobrando menos tempo para estudo. A faculdade que frequentam são compostas com turmas maiores, professores com baixa titulação, bibliotecas e laboratórios indigentes.
Em poucas palavras, quem tinha muito, recebeu melhores condições de estudo -quem tinha pouco, submeteu-se a piores condições de aprendizado, aprofundando a defasagem.
Por mais que se melhore a faculdade, o aluno com baixa bagagem cultural terá dificuldade em obter melhor desempenho -o provão mostra um quadro generalizado de baixo interesse por leitura de livros, jornais e atividades extra-classe.
É uma média de 40% os alunos de direito, economia e administração que lêem diariamente jornal. No geral, levando em conta todos os cursos, a média é de 23%. Em medicina é 21%; letras, 27%.
Raramente lêem jornais estudantes dos cursos de matemática e odontologia.
Mais dramático ainda é o índice de leitura de livros não escolares, ou seja, obras que não são pedidas pelos professores. O índice mais alto são dos alunos de letras. Mesmo assim, são 42% que lêem mais de seis livros por ano.
Os futuros médicos apresentaram pior resultado: apenas 28,7% leram um livro não escolar durante o ano.
O grosso dos estudantes se informa basicamente pela TV, no qual a informação é, por uma limitação técnica, superficial.
Para os padrões nacionais, educação superior é, em essência, privilégio da elite -especialmente as faculdades mais disputadas.
O perfil do aluno: frequentou escolas privadas, pai tem escolaridade que varia de ensino médio a superior, renda familiar acima dos R$ 1,3 mil.
Dos estudantes de medicina, 70,6% vieram de escolas privadas. Eles vêm de família com renda mensal que varia de R$ 2,5 mil a R$ 6,5 mil.
Letras e matemática absorvem os alunos com menor renda familiar e escolaridade dos pais -é justamente o pessoal que menos tem acesso a Internet ou domínio de língua estrangeira.
Mesmo quando a faculdade tenta recuperar a defasagem cultural, há pouco interesse como estudos de língua ou atividades artísticas.
Entre os alunos de direito, 80% não frequentam atividades extra-classe.
Em média, os graduandos dedicam, por semana, entre três a cinco horas de estudos fora da sala de aula.