Educar é o jeito mais nobre de viver

Morrer dormindo é a segunda principal causa de morte dos bebês americanos – um dos primeiros pavores dos pais de recém-nascidos.
Cena comum, principalmente entre as mães, é levantar de madrugada para ver se os bebês estão respirando. Até o início da década de 90 nos EUA, essa curiosidade se revelou desesperadora numa média de 16 vezes por dia.
É o número de bebês que adormeceram saudáveis. Morreram sem manifestar qualquer sinal de dor. São as vítimas do que se chama “Síndrome da Morte Súbita”.
Para enfrentar essa tragédia silenciosa, os americanos lançaram, em 1994, campanha nacional para educar os pais, numa aliança com os meios de comunicação.

Além de estimular o aleitamento materno (o leite protege a criança), ensinaram como não comprometer a respiração dos bebês, com dicas simples.
Primeira dica já começa no útero. A mãe não pode fumar enquanto estiver grávida. Segunda: nunca contaminar com fumaça o quarto da criança.
Vital é uma cautela que parece um detalhe: os bebês precisam ser deitados de barriga para cima.

Um relatório do governo americano mostrou na semana passada que o esforço educativo está compensando. Em apenas dois anos, a quantidade de vítimas da “Síndrome da Morte Súbita” caiu 30%; nesse ritmo, no próximo ano, a baixa vai ser de 50%.

As estatísticas de saúde dos americanos, lançadas semana passada, são animadoras nas mais variadas direções. Aumentou a expectativa de vida. É, hoje, de 76 anos; no começo do século, 40 anos.
Por trás desse aumento, estão a queda de vários tipos de mortes, a começar dos bebês que se despedem dormindo.
Diminuíram os registros de Aids, suicídios, homicídios e câncer. Pesa a descoberta de novos medicamentos e tratamentos. Mas, de fato, é o trabalho de educadores – gente que se preocupa em compartilhar informações, numa ofensiva de prevenção.
As pessoas costumam imaginar que educador é igual a professor. Engano. Educador é o professor que vê uma sala de aula na casa, rua, bairro, cidade, país e mesmo o mundo.
Esse engano é responsável, em parte, pela crise social brasileira – e coloca para nós, da imprensa, um desafio.

Vive-se mais porque as pessoas fumam menos, fazem sexo mais seguro ou alimentam-se melhor. Grávidas consultam mais o médico, adolescentes têm menos bebês, motoristas são mais cautelosos no trânsito, escolas envolvem-se no controle da violência, aprendem a detectar doenças na fase inicial, inclusive distúrbios mentais como a depressão.
É uma série de cautelas bombardeadas diariamente pela própria sociedade – e nem tanto pelo governo.
As mensagens são marteladas nas rádios, jornais, televisões, escolas, centros de saúde, hospitais, igrejas, metrôs e outdoors. Difícil andar em qualquer lugar, ver televisão, sem alguma lição.

Descobri morando em Nova York – e é mais uma lição na minha bagagem de volta ao Brasil – que a sociedade brasileira, apesar de avanços e notáveis campanhas episódicas, ainda não sabe usar os meios de comunicação.
Para o nível de indigência, saúde, educação e direitos humanos, aliado à miséria e crônica ineficiência dos governos na área social, deveríamos ter muito mais esforço educacional – especialmente as TVs, que chegam às camadas mais desinformadas.
A arrancada social do Brasil vai depender menos de como o governo vê o Brasil. E mais sobre como o Brasil vê o governo.
A carência de campanhas educativas, patrocinadas pela própria sociedade, mostra como ainda estamos presos num visão velha do Estado.

Antes de escrever o título desta coluna, pensei se não estava fazendo uma injustiça com os médicos.
Educar é atividade mais nobre do que medicina porque é o jeito de transmitir o valor da liberdade, ensinando o direito de ter direitos – e de optar. Só opta quem tem informação.
Mas também porque salva vidas.
Qualquer um – do motorista de táxi, ao plantonista de pronto-socorro, chegando ao presidente da República – pode ser um educador. O que dá a chance a qualquer um de viver nobremente.

PS – As principais descobertas sobre “Síndrome da Morte Súbita” foram feitas por pesquisadores ingleses, que analisaram 350 mil nascimentos. As conclusões desse estudo, além de dicas para os pais, estão num texto em inglês que estará disponível hoje por e-mail e a partir de amanhã no seguinte endereço: www.aprendiz.com/