Daniel Alves da Silva, 22, teve uma morte digna de um roteiro teatral _aliás, se colocassem a cena numa peça, poderia-se dizer que houve um certo exagero ficcional.
Morador de uma das mais violentas comunidades de Salvador, chamada (sem ironia), de Bairro da Paz, Daniel resolveu participar de sua primeira experiência cultural: uma peça de teatro para denunciar a violência.
Há quatro anos, ele começou a participar de uma experiência, orientada pela ONG Cipó, em que jovens, apoiados por profissionais, criariam uma peça sobre cidadania para exibir em Salvador, especialmente para o público jovem e vítima da marginalidade.
A experiência artística o ajudou a se conhecer e a entender a degradação que o cercava. Descobriu suas potencialidade, mas não conseguia fugir do círculo do desemprego. Vivia de bicos e se candidatava a todas as vagas possíveis. Sem condições de se sustentar, acabou por abandonar a peça, mas, de vez em quando, ia ver os espetáculos de seus colegas. Dizia que era sua conexão com uma espécie de utopia.
No dia 30 de setembro, à noite, ele estava entusiasmo pelo encerramento da peça, que, nos últimos quatro anos, foi exibida para cerca de 25 mil pessoas, sempre acompanhada de bate-papos sobre as fragilidades da cidadania.
Despediu-se de todos, voltou para casa e, de manhã, quando andava de bicicleta para a obra em que fazia um bico, foi assassinado. Naquele mesmo dia, por coincidência, saiu o resultado de um concurso _fora aceito para trabalhar como estagiário numa repartição pública.
No dia 1º deste mês, durante o enterro, os amigos cantaram a música-tema da peça: “Eu tenho um sonho. E tenho medo. Eu vivo o meu medo da hora que acordo até a hora de dormir. Então eu encontro meu sonho. (…) No meu sonho, ninguém me inveja, ninguém me ameaça, ninguém me bate, ninguém me mata. Eu não quero morrer antes da hora. Antes de ser tudo o que eu desejo ser”.
Assim terminou o último ato de Daniel _nome de um profeta judeu que denunciava a violência e as injustiças na Babilônia.