Crônicas abordam enigma paulistano

Cidade enigma e síntese do Brasil –assim Lourenço Diaféria definiu São Paulo em crônica publicada na Folha em 1980. É um primor de resumo.

Ao completar 450 anos, a cidade é isso mesmo: cada vez mais sintética do país, imersa num trágico enigma.

Saiu o ufanismo e entrou a nostalgia. Da cidade que mais cresce, que não pára, não pode parar, símbolo da bravura bandeirante, locomotiva econômica, transformou-se numa comunidade degradada, violenta, congestionada. São Paulo, que tanto acenou o futuro como sua mais importante paisagem, passou a olhar, saudosa, para o passado. Mas, ao mesmo tempo, nunca deixou de produzir futuro, atraindo gente de todos os lados e cada vez mais se tornando o centro vital brasileiro, uma espécie de capital informal da República.

Reunião de artigos sobre a cidade de São Paulo, divulgados naFolha, “São Paulo, 450” organizado pelo jornalista Oscar Pilagallo, apresenta, nos mais variados textos, o enigma paulistano, essa sensação de perplexidade diante da desagregação social e da destruição urbana, mas também de efervescente criatividade.

Há gente para todos os gostos: do rigor documental de Sérgio Buarque de Holanda, passando pelo realismo literário de Plínio Marcos ou de um João Antônio, até a visão amorosa de Ignácio Loyola Brandão. Oscila-se do ufanismo bandeirante do poeta Paulo Setúbal, passando pela análise cáustica do arquiteto Carlos Lemos (“São Paulo é uma cidade ao acaso”) até o deboche divertidíssimo de José Simão (“São Paulo não pode parar porque não tem estacionamento”).

O historiador Nicolau Sevcenco, em texto publicado em 2001, ajuda a entender o enigma paulistano pelo curso de um rio. “O que explica São Paulo é o Tietê.” O Tietê é um rio que corre para dentro, rumo ao interior, fazendo da cidade nunca um porto de chegada, mas um entreposto, uma passagem. Depois veio o café e, mais uma vez, a cidade era apenas uma parada entre o interior e o porto de Santos.

Da síndrome do Tietê derivaria, segundo ele, uma cultura do não-pertencimento que explicaria por que não se cuidou da cidade –e como a cidade, destroçada, não cuidou de seus habitantes, pisando nas memórias.

Se a produção econômica da “locomotiva” não é sombra do que já foi, se o clima de temor nos tempos da ditadura era bem mais ameno do que o que se vive em nossas ruas, se a feiúra dominou o espaço público, o burburinho cultural não pára de prosperar, com uma visão contemporânea e cosmopolita.

A cidade, do ponto de vista físico, piorou (e muito), mas, paradoxalmente, ficou mais interessante humanamente.
Por falta de alternativa, talvez o enigma da destruição esteja se encerrando. Por absoluta falta de alternativa e pela pedagogia do medo, os paulistanos terão de mudar o curso “rio” e fazer da cidade porto de chegada e não apenas uma passagem.