Acabamos desenvolvendo uma relação de ódio e amor com a cidade: oferece os melhores empregos, as melhores exposições, as melhores chances de negócios, os melhores restaurantes e o maior aglomerado de pessoas interessantes. Viver aqui é sinônimo de possibilidade de progredir.
Mas também é a cidade das impossibilidades. Sentimo-nos reféns: o pior trânsito, a pior poluição, a pior paisagem, as piores enchentes, a pior qualidade de vida entre as capitais.
Juntamos a tal ponto esses extremos da impossibilidade e da possibilidade que, em alguns bairros, aprendemos antes a implantar malhas de fibra ótica, conectadas com o século 21, do que eficientes sistemas de esgoto.
O caos paulistano, porém, não é caótico. Tem uma lógica, uma explicação. No livro “São Paulo”, da coleção Folha Explica, a urbanista Raquel Rolnik conseguiu juntar os fragmentos históricos que explicam o caos, desde a fundação da cidade até nossos dias.
A história de São Paulo é a histórica de uma comunidade partida, que gera, ao mesmo tempo, opulência e exclusão. Isso explica o trânsito infernal: já no começo do século, havia propostas de montar um sistema integrado de bonde, trem, metrô e ônibus, a exemplo de Nova York e Buenos Aires.
A lógica excludente fez que São Paulo preferisse abrir espaço para veículos sobre pneus e ficássemos reféns dos congestionamentos, com poucas alternativas de transportes públicos.
Num texto simples e saboroso, Raquel mostra, passo a passo, a construção da desordem de uma cidade, destruída por políticas urbanas erradas, dominação dos especuladores imobiliários, corrupção, migrações explosivas. Os pobres foram sendo expelidos para longe, os ricos entrincheiravam-se em bairros-jardins, num movimento que prosseguiu na periferia e nos enclaves como shopping centers e condomínios de luxo.
São Paulo é reflexo de seus erros e do desastre social brasileiro, marcado pela má distribuição de renda. O caos está, agora, produzindo uma nova consciência urbana. Numa reação, comparável ao que ocorreu em Nova York, cada vez mais gente imagina que se sentir refém não é uma condição intrínseca do paulistano.
“São Paulo”, de Raquel Rolnik, é o livro didático disponível para introduzir o leitor interessado no conhecimento das forças que movem e desenham o traçado urbano e social de uma cidade.