Há pouco tempo, o lugar nada tinha de ideal; não passava de solo infértil, e já tinha data para fechar.
O JARDINEIRO AFONSO BATELLA sonhava em ter um jardim que fosse uma espécie de laboratório a céu aberto, onde pudesse cultivar as mais diferentes árvores, compondo um jogo de formas, cores e aromas. Queria em volta crianças e adolescentes dispostos a aprender botânica e a produzir mudas a serem espalhadas pela cidade. Neste ano, ele descobriu o local ideal para realizar esse sonho: uma escola pública, perto de sua casa, com amplo espaço para plantio. “Resolvi dedicar parte da minha vida a esse projeto.”
Há pouco tempo, porém, o lugar nada tinha de ideal. Não passava de um solo infértil, tanto que já tinha data para fechar. Havia sinais de deterioração por todos os lados: salas vazias, cenas cotidianas de violência, professores desanimados.
A melhora dos resultados do Brasil, exibidos na semana passada pelo Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) -um ranking mundial da qualidade de ensino-, depende, em parte, das lições que se tiram desse jardim-laboratório.
A escola se chama Carlos Maximiliano e já estaria fechada no final de 2007 não fosse a resistência de um punhado de alunos e professores. Era difícil achar um diretor para a escola, tantos eram os problemas.
A comunidade da Vila Madalena e do entorno decidiu apoiar. O Colégio Santa Cruz enviou alunos para dar aulas, o Colégio Porto Seguro ajudou na reforma do auditório, que virou um teatro, o COC deu reforço em português e matemática. Uma empresa de publicidade (a 141 Soho) entrou com verbas para pintura e pequenas reformas. O Centro Paula Souza ocupou um dos andares com cursos técnicos de informática, administração e marketing.
Surgiram grupos voluntários para dar oficinas de dança, literatura, música, teatro, cinema e comunicação. Nesta semana, a BrasilPrev está recebendo um prêmio do Banco do Brasil por sua parceria com o Maximiliano, onde desenvolveu o programa “Escola do Bairro”.
Vendo o esforço, a Secretaria da Educação convidou, no ano passado, um diretor (Antônio Roberto Ramos) e um coordenador pedagógico (Marcelo Clementino) com um histórico de parcerias com escolas públicas. A abertura reforçou ainda mais as parcerias -foi aí que o jardineiro encontrou receptividade. Em frente à escola, há um prédio com muitos psicólogos e psicanalistas, que decidiram também ajudar.
O teatro passou a receber diariamente eventos de música, dança, teatro, literatura, todos abertos à comunidade. Um projeto tão improvável como o jardim-laboratório ganhou vida. O que se vê ali é um encontro de gente com ideias inovadoras, conectadas em escala planetária -uma versão Vila Madalena do TED (Tecnologia, Design e Entretenimento), núcleo criado na Califórnia para disseminar ideias pioneiras. O fato de o encontro ocorrer numa escola pública com aquele histórico virou conversa mundial entre as pessoas envolvidas no TED.
Essa movimentação levou o caso, documentado pela Fundação Paulo Vanzolini, da Poli, a ser usado em cursos de gestão escolar como exemplo de comunidade que atua no incremento da educação pública.
A escola antes condenada passou a atrair alunos da rede privada.
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As razões dessa mudança do Max podiam ser entendidas na exposição, na semana passada, de uma das mais interessantes experiências sociais brasileiras. Um grupo de empresários e executivos (Parceiros da Educação) vem apoiando escolas públicas para aprimorar sua gestão. A melhora das notas é generalizada, mas é mais expressiva ainda nos locais com determinadas características. A primeira delas: a eficiência do diretor. A segunda: o envolvimento dos pais e da comunidade.
O movimento experimentou e agora está disseminando a invenção do professor comunitário.
Entramos no próximo ano com a crescente convicção de que educar é algo muito complexo para ficar apenas dentro dos muros da escola. É por isso que, num terreno infértil, pode nascer um jardim.
PS – Uma das experiências mais polêmicas da atualidade em educação são as chamadas escolas “charter”, desenvolvidas nos Estados Unidos. A escola pública é gerida, com autonomia, por associações comunitárias, cujo contrato depende do desempenho dos alunos. Acaba de sair um relato em português sobre a experiência, produzido pelo Instituto Fernand Braudel em parceria com a Fundação Itaú Social. Para quem se interessa pelo ensino, é leitura obrigatória.