Cidade exige trabalhador mais sofisticado

Marco Antônio dos Santos, 36, não é um simples motoboy. Ele é especialmente apreciado na empresa em que trabalha -AG Courrier- porque tem diploma de ensino superior, facilitando o contato com os clientes.
“Boa comunicação valoriza o serviço”, diz Santos, que obteve diploma de ciência da computação e hoje ganha, com sua moto, R$ 800 mensais, acrescidos de bicos em serviços de informática.

Outra empresa de entregas, a Motoservice, com clientes entre bancos internacionais, abriu mais 72 vagas, no ano passado, preenchidas apenas por motoboys com ensino médio completo e conhecimentos em informática. Salário médio: R$ 800.

Versão motorizada dos antigos contínuos, os motoboys têm a cara de São Paulo, símbolo do caos urbano -uma morte a cada três dias. Com suas máquinas barulhentas e ousadas manobras, eles transformaram a paisagem paulistana com um próspero negócio no setor de serviços, estimulado pelos crônicos engarrafamentos. Mesmo para uma função que aparentemente exige mais coragem do que conhecimento, exige-se qualificação educacional.

Os ruidosos motoqueiros engrossaram as estatísticas da cidade de São Paulo que, em 2000, criou mais 145 mil empregos, com um valor médio de R$ 887, segundo dados exclusivos da Fundação Seade. A população ocupada atingiu 4,4 milhões de trabalhadores.

Mantido o ritmo de crescimento econômico, como indica a maioria das previsões de analistas, o estoque de empregos se avoluma este ano com mais 150 mil vagas. Em dois anos, de 2000 até o final de 2001, apenas em salários, São Paulo, a cidade, terá mais R$ 3,1 bilhões, graças às 300 mil novas vagas.

Essas vagas estão longe de levar o nível de desemprego na cidade ao patamar do início da década de 90, percentagem que hoje tem aspectos paradisíacos: 9,7%. Daí bateu nos 20% e baixou aos 16%, no qual permanece até agora.

Também não vão produzir, nos próximos 12 meses, o mesmo rendimento salarial daquele período: quase R$ 1.000.

O município de São Paulo comemora mais um aniversário testemunhando o custo social da combinação, iniciada na década de 80, de recessão, de desindustrialização e de impactos tecnológicos que reduziram a necessidade de mão-de-obra nas empresas.

Mas a circulação do dinheiro para os trabalhadores revela o perfil de São Paulo, mostrando que, se a cidade está mais pobre, também está mais sofisticada -e, paradoxalmente, sob muitos aspectos, mais humana e civilizada. Até pouco tempo, já seria muito pedir de um contínuo diploma de primeiro grau.

Os dados coletados pela Fundação Seade informam que, no ano passado, apenas 3,8% dos ocupados tinham entre 10 e 17 anos. É uma informação ao mesmo tempo positiva e negativa.

Positiva porque um número maior de jovens está na escola, sem tempo para trabalhar. Negativa porque, com a sofisticação do mercado, adolescentes com baixa escolaridade não conseguem emprego, engrossando os batalhões de marginalizados.

A cidade de São Paulo só emprega 3,1% de analfabetos; 33% não conseguiram completar o ensino fundamental.

Principal dado a revelar a qualificação do morador de São Paulo, 44% dos trabalhadores, segundo a Fundação Seade, tinham diploma de ensino médio e superior. A julgar pelas estatísticas do Ministério da Educação, a tendência prossegue aceleradamente.

A taxa de desemprego entre os portadores de diploma de ensino superior cai para 7%; impossível melhor apelo a favor da escolaridade. É uma bola de neve. Aumentam as matrículas e o fluxo de alunos no ensino fundamental, fazendo transbordar o acesso para as camadas superiores. É um movimento que responde à própria mudança de qualidade do emprego na cidade, que vai aumentando a importância do setor de serviços.

Em 2000, segundo a Fundação Seade, a indústria de transformação foi responsável por 17,8% dos empregos. Ainda é muito, comparando-se às demais cidades brasileiras. Pouco se comparado à história de São Paulo, cujo apogeu esteve associado à expansão da indústria no século passado.
O apogeu que atraiu milhões de imigrantes e migrantes. A população de São Paulo parou de crescer -e até ameaça, num futuro próximo, diminuir, porque, em vez de atrair trabalhadores, passou a expulsá-los.

Serviços
A imensa maioria dos empregos está no chamado setor terciário, especialmente serviços. Em 2000, o comércio absorveu 15,6% dos trabalhadores; os serviços, 55,7%.

Aos poucos, a cidade vai compensando os empregos que perdeu nas indústrias, mas, também, pelas próprias características da área de serviços -hotelaria, Internet, telecomunicações-, vai exigindo maiores investimentos educacionais.

É o que explica, em parte, a precariedade das relações de trabalho. Diminui a porcentagem dos assalariados, com carteira assinada. Crescente parcela prefere montar a própria empresa -e aí estão desde o camelô, o sofisticado consultor para o desenvolvimento de um software até o motoboy que faz da motocicleta seu negócio.