Os militares deixaram o poder quase ao mesmo tempo em que desaparecia aquela sala de cinema.
QUANDO ERA MENINO, Danilo Dara ouvia seus pais, ex-militantes da Libelu (Liberdade e Luta), um movimento estudantil que lutou contra a ditadura militar, falarem nostalgicamente de um cinema chamado Bijou, localizado no número 184 da praça Roosevelt. Ali passavam filmes “cult”, admirados pelos intelectuais e descolados da época. Era um dos cenários obrigatórios da esquerda paulistana nos tempos do regime militar. “Já nasci praticamente no período democrático, não cheguei a sentir a violência daqueles tempos.” Os militares deixaram o poder quase ao mesmo tempo em que desaparecia aquela sala de cinema.
Outro tipo de violência, muito longe de estar apenas na memória, fez que ele e um grupo de amigos voltassem a usar aquele mesmo espaço para tentar reviver o ambiente de resistência do Cine Bijou naquele lugar hoje caoticamente efervescente da cultura alternativa da Roosevelt.
Danilo formou-se em história na USP e, dando aulas na periferia de São Paulo, nunca deixou de estar antenado com as questões da violência. E foi esse seu olhar que o levou de volta à memória do regime militar, desembocando no Bijou.
Com um grupo de seis jovens formados em história, encontrou no Museu da Resistência, localizado na sede do antigo Deops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo) integrantes do Núcleo Memória -ex-militantes de esquerda, muitos dos quais perseguidos pelo regime militar. Um deles, Alípio Viana Freire, sugeriu que exibissem filmes com temáticas sociais e políticas, seguidos de debates. No Cine Bijou, tudo seria facilitado porque o espaço é hoje ocupado pelo Teatro Studio, dirigido por Dulce Muniz, uma ex-militante socialista.
Uma das coisas que entusiasmaram os jovens, além desses debates em torno de filmes, foi a oportunidade de participar dessa guerrilha urbana que se trava ali na praça Roosevelt em meio às tentativas de grupos de teatro de revitalizá-la. Há alguns anos, entre vitórias e muitas derrotas, esses artistas vêm atraindo para uma área abandonada, tomada pela decadência e pela sujeira, pessoas interessadas em arte. “Nesse espaço, a violência sempre fez parte do cenário.”
Com pequenos apoios, os jovens começaram a passar, a cada 15 dias, os filmes selecionados, trazendo para o centro os mais diversos personagens da cena cultural da periferia. O grupo quer, agora, atrair estudantes de escolas públicas dos bairros mais distantes para vivenciarem a cultura do centro, a começar das conversas do Cine Bijou. “Estamos adaptando a programação a esse tipo de plateia.”
No passado, foram muitos os adolescentes que encheram as salas do cinema, atraídos pela qualidade dos filmes.
Danilo acabou descobrindo outro motivo, além do encanto cinematográfico, para aquela sedução. Naquele ambiente de resistência, o Bijou fazia a felicidade dos adolescentes descolados porque nunca pedia documento de comprovação de idade. Assim se fez um pedaço da formação cultural de uma geração de paulistanos.