A rua mais interessante do Brasil

Badalados comediantes do stand-up abriram na região um clube de comédia. Quase sempre a lotação é esgotada.

COM A PROPOSTA DE ABRIR mercado para profissionais da internet, especialmente de fora do eixo Rio-São Paulo, o designer Ricardo Lima criou um banco de dados virtual para receber currículos e articular projetos coletivos. O virtual transformou-se, neste ano, em presencial: ele alugou um imóvel, que batizou de “Beans” (feijões, em inglês), no fundo de uma galeria da região paulistana conhecida como Baixo Augusta, onde estações de trabalho são alugadas até por hora.
Um dos projetos em elaboração é um sistema de aluguel de quadros, que passariam a circular constantemente em vários pontos da cidade, barateando os custos de quem compra e abrindo mercado para os artistas, tudo visualizado pela internet. “Quero criar um canal de conexão em que as pessoas, mesmo a distância, possam inventar juntas”, aposta Ricardo, cujo hobby é fantasiar-se de palhaço para divertir crianças em hospitais.
Exatamente na frente da galeria, existe uma loja colaborativa, onde são alugadas aos fornecedores vagas nas prateleiras, o que reduz o custo da intermediação. Nos próximos dias, vários eventos nas principais cidades do mundo participarão da Semana Global de Empreendedorismo -e o Baixo Augusta será um dos cenários desse evento. Nenhuma rua no Brasil é tão interessante como essa para mostrar o valor do empreendedorismo.
Um território esquecido -em geral lembrado por personagens como travestis, prostitutas, mendigos e traficantes- virou um polo de inovação. Sem nenhuma ajuda oficial.


Até ontem, ocorreu, no Baixo Augusta, um projeto batizado de Vídeo Guerrilha. Imagens criadas por artistas de todo o Brasil, projetadas em prédios, compuseram uma galeria luminosa a céu aberto.
Pesquisas de mercado mostram que boa parte dos brasileiros, especialmente os jovens, gostariam de tocar seus próprios negócios. Segundo o Data Popular, esse é o anseio de 30% dos adultos. A vontade é ainda maior na classe C, mas são poucos os que topam o desafio.
A vida de um empreendedor no Brasil é bem menos luminosa, como os debates da semana vão mostrar: burocracia, corrupção, juros altos, escassos créditos para inovação, mão de obra sem qualificação, impostos estratosféricos. Note a rapidez com que, logo que as urnas se fecharam, governantes de todos os partidos, do PT ao PSDB, começaram a falar na volta da CPMF, como se os governos já arrecadassem pouco dos contribuintes.
Se pudessem visualizar o efeito Baixo Augusta, poderiam avaliar didaticamente quanto se ganha estimulando menos os governos e mais os empreendedores.


Badalados comediantes do stand-up brasileiro abriram na região um clube de comédia. Quase sempre a lotação é esgotada.
Nas proximidades, foi ocupada uma área abandonada de 500 metros quadrados, batizada de “Hub”, onde agora se desenvolvem projetos inovadores voltados à sustentabilidade. Lá montaram empresas que criam modelos de automóveis colaborativos, telhados verdes e moedas locais para estimular bairros periféricos, além de fazer entrega de produtos de bicicleta em vez de usar as poluentes e perigosas motos.
Abriram-se casas noturnas, bares e restaurantes para atender as mais diferentes clientelas: patricinhas, mauricinhos, gays, lésbicas, punks, vegans, descolados, cinéfilos, intelectuais. As novas tribos se misturam com as prostitutas e travestis. Num trecho da rua Augusta, surgiram restaurantes para quem gosta de culinária grega, árabe e indiana. Novos talentos musicais de todo o país se apresentam, muitas vezes de graça, no Studio SP.


Na praça Roosevelt, um mutirão de empresários e executivos tentam reconstruir o teatro Cultura Artística, vítima de um devastador incêndio. No entorno, o que era só abandono transformou-se num polo das artes, especialmente da cena alternativa.
Na vizinhança, o empresário Walter Mancini remodelou a rua Avanhandava, transformada num polo culinário, com calçadas amplas e acessíveis, quase sempre cheias.


Andando pela Augusta, sentimos o que seríamos se os palácios fossem mais próximos das ruas, estimulando quem gosta de inovar. Lá o único projeto, que só depois de dez anos começa a andar, é a reforma da praça Roosevelt, uma obra pública.


Ps- Coloquei na internet(www.dimenstein.com.br)um dossiê com dados sobre a ebulição do Baixo Augusta, detalhando os casos e personagens relatados nesta coluna.