Qual seu maior medo para 1999?
Inspirado pelo clima de balanço do final de ano, um levantamento de opinião pública investigou os principais pavores dos habitantes de São Paulo.
Chegamos a tal ponto que os homens demonstram mais temor de sofrer violência na rua do que perder um parente querido como filho, marido, mulher, pai ou mãe.
Homens e mulheres da classe A, ou seja, de maior poder aquisitivo, empatam nessas duas preocupações -estão igualmente preocupados em levar um tiro e perder filho, mãe ou pai.
Criminalidade, na média geral, ultrapassa o desemprego que, na lista negra, ficou em quarto lugar; o segundo fica por conta da Aids.
Daí se entende por que, antes de tudo, o paulistano é um estressado.
Difícil conviver com o medo contínuo de ser assaltado ou de perder o emprego.
Médicos e psiquiatras têm contabilizado na cidade uma epidemia de sintomas vinculados à baixa qualidade de vida, parte deles provocada pelo estresse.
São sintomas que vão desde angústia e depressão, passando por aceleração dos batimentos cardíacos e problemas do estômago, até alergias, bronquites e asmas.
“São tantos os casos de crianças com sintomas de estresse que já não sei mais se sou pediatra ou psicólogo”, comenta o pediatra Posternak.
São Paulo faz mal à saúde.
Até pode haver certa histeria. Mas as estatísticas, este ano, bateram recorde atrás de recorde.
O ano de 1998 já começou com um recorde: um homicídio por hora.
Juntem-se a isso o trânsito e a poluição. Nos dias de chuva, como agora, o inferno deve parecer, comparado a São Paulo, uma colônia de férias.
O paulistano típico, desde que tenha dinheiro, é, em essência, um fugitivo.
Volta à noite para casa com a sensação de que está escapando do perigo.
Sua casa, tantas as grades, parece mesmo um refúgio; o carro sempre de janelas trancadas, uma espécie de tanque.
Para fazer compras, se refugia no shopping center; nos finais de semana, foge para o sítio ou para a praia.
Curioso final de século: tão fácil falar à distância, graças às engenhocas da era da informação, tão difícil o contato próximo e pessoal.
Também me sinto contaminado, de um lado, pelo clima de balanço de final de ano -mas também pelo caos urbano.
Depois de 15 anos vivendo em Brasília e, em seguida, Nova York, voltei para a cidade onde nasci -mais precisamente, fui morar na Vila Madalena, uma ilha de civilidade democrática, onde sobrevive a mistura de convivência pessoal, boemia e artes.
É o único bairro da cidade no qual vale a pena, de fato, andar a pé. Sempre é possível encontrar algo ou alguém interessante; daí ser a utopia urbana.
Quando cheguei, todos diziam não iria superar o efeito Nova York, a cidade mais apaixonante do planeta; ou iria ficar apegado à estética de Brasília, apaixonante porque, entre outras coisas, lá nasceram meus filhos.
Sei que São Paulo faz, de fato, mal à saúde.
Mas, passado um ano, vi como foi fácil descobrir a paixão por São Paulo. É a cidade, de longe, mais interessante do Brasil, com uma intensidade criativa que a aproxima de Nova York.
É um lugar por tudo o que fazer, mas com muita gente fazendo muita coisa interessante.
É uma pobreza de espírito enxergar em São Paulo só violência, trânsito ou poluição.
O encanto na cidade está na febril produção das artes, em meio a exposições que se aprestam como marco de excelência: a Bienal, por exemplo.
Esse ambiente está na música, na moda, no teatro; há uma abundância de peças e concertos como nunca se viu.
A cidade se firma como o centro da inteligência. Todos os meses há seminários, nas mais variadas áreas, de informática, passando por marketing, até educação, atraindo o que há de mais sofisticado no mundo.
Mais encantador, porém, é que, neste final de século, é possível ver, aqui, o nascer de uma nova mentalidade das elites -uma mudança que vai moldar o próximo século.
O caos urbano e social, em meio à falência do Estado, faz das elites empresariais, aliadas a intelectuais e formadores de opinião, novos atores políticos.
Não há um único dia (vou repetir, um único dia) em que não seja informado de uma empresa ou empresário desenvolvendo (ou interessado em desenvolver) um projeto para melhorar a educação ou a saúde da comunidade.
São Paulo -pelo menos ao meu espírito- está fazendo muito bem.
PS – Um dossiê sobre o medo e suas consequências no cotidiano como trabalho e estudo pode ser encontrado no Universo Online, entrando na página do Projeto Aprendiz. Está ali também a íntegra da pesquisa sobre o medo do paulistano.