Co-diretora de “Cidade de Deus” e de “Notícias de uma Guerra Particular”, Katia Lund escolheu a paisagem paulistana para filmar um dia na vida de Bilu e João, uma menina e um menino que sobrevivem e brincam com os objetos descartados catados na rua. Na vida real, os dois atores, Vera Fernandes e Francisco Anawake de Freitas, estão metidos num roteiro bem mais complexo que o exibido no filme. Katia ainda não sabe direito como enfrentá-lo e nem como será o desfecho. “É um mistério.”
Filhos de famílias pobres da periferia paulistana, Vera e Francisco integram as “Crianças Invisíveis” , um projeto que envolve cineastas como o inglês Ridley Scott e o americano Spike Lee. São sete episódios de um único filme, programado para ser lançado mundialmente, gravado em países como China, Itália, Estados Unidos, Turquia, Tanzânia e Sérvia. “Preferi São Paulo porque queria mostrar os personagens numa cidade global, na qual se encontram cenários de países desenvolvidos”, justifica Katia, autora de um videoclipe encenado por Michael Jackson e rodado no morro Santa Marta, no Rio.
Entre as brincadeiras e a guerra pela sobrevivência, Bilu e João, alternando a imaginação infantil e a labuta adulta, estão metidos, sem saber, na ordem global. “O preço do alumínio, determinado em bolsas de mercadorias, acaba influindo no preço da latinha que eles encontram nas ruas.” Nascida em São Paulo, em 1966, Katia faz parte de uma geração que ainda viu, por algum tempo, as ruas quase sem crianças invisíveis.
O objetivo do projeto foi justamente chamar a atenção para a invisibilidade infantil que se encontra no planeta e vai da miserável África até a opulenta Europa. Uma invisibilidade para onde poderiam voltar Vera e Francisco, depois de despidos dos papéis de Bilu e João. “É uma contradição incômoda”, diz Katia, que, hoje, divide sua vida entre São Paulo e Rio, com temporadas em Nova York.
Katia participa, neste momento, de um esforço de complementação escolar de Vera e Francisco para que, ao contrário da ficção, não acabem na rua. Está vendo que essa tarefa é mais fácil de resolver numa tela do que no cenário da realidade -e, na maioria das vezes, o final está longe de ser feliz.