Quanto mais estímulo houver para que talentos prosperem, mais interessante e rica será a cidade de São Paulo.
NO LADO de fora da “caverna digital” da USP, onde se realizam experiências em tecnologia da informação, existe um pequeno aparelho que viabiliza conexão de computadores na internet com a energia solar. Desenvolvida por um estudante (Rafael Herrera), a invenção já está em teste numa praça em Santos -isso significa que o wi-fi solar pode disseminar a internet, especialmente em espaços abertos como parques.
Por causa da destruição da infraestrutura de comunicação e de eletricidade no Haiti, técnicos e cientistas estrangeiros se interessaram em levar para o país, pelo menos emergencialmente, aquela tecnologia. A engenhoca é mais um dos produtos do Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI), onde se testam, por exemplo, um celular totalmente nacional, soluções para TV digital, plataformas para animação em 3D. Chips de cartões de créditos nasceram ali. É o suficiente para mostrar a importância de implantar um parque tecnológico num terreno ocioso ao lado da USP, previsto para ser inaugurado parcialmente neste ano. A ideia é reunir no mesmo local pesquisadores e empresas focadas em tecnologia da informação, biotecnologia e farmacologia -ali seriam incubadas empresas. Poucos lugares do mundo têm tantos PhDs por metro quadrado como a Universidade de São Paulo.
Atraídas pela inovação, empresas receberiam estímulos públicos e ocupariam terrenos nas redondezas antes usados por indústrias que fugiram da cidade. É por esse caminho que está a única saída de São Paulo, que, amanhã, completa 456 anos -a única saída é ser uma grande incubadora de talentos.
Na semana passada, o Ibope divulgou em pesquisa o fato de que a maioria dos paulistanos vê que a melhor saída é ir embora da cidade -ou seja, estaríamos num beco sem saída. O Datafolha mostra hoje uma melhora: mesmo assim, 41% iriam embora. Há uma insegurança coletiva. Não seríamos uma comunidade, mas um aglomerado de seres acuados –acuados pelo trânsito, pela poluição, pelas enchentes, pela violência.
A sensação cresce ainda mais com as imagens paralisadas pelas enchentes, que nos deixam ilhados. Podemos até melhorar nessas áreas, mas, lamento informar, São Paulo será sempre uma cidade tensa e feia. Foram tantos os estragos por tanto tempo, cometidas por tantos incompetentes, que a paisagem degradada se tornou irreversível.
Misturar talento com tecnologia significa uma Hebe Camargo, que, com todo o seu dinheiro, prefere tratar seu câncer em São Paulo -afinal, os melhores hospitais se transformaram em centros de pesquisa. Até mesmo americanos estão vindo se tratar aqui, por saberem que vão encontrar um serviço de qualidade por um preço menor.
Talentos estão surgindo nos palcos da região do Baixo Augusta e, ao lado, na praça Roosevelt, ou nas galerias de arte da Barra Funda, estendendo-se até os galpões abandonados da Vila Leopoldina, atraindo empresas de publicidade e audiovisual.
Neste mês de aniversário, vemos as contradições de um lugar que mal consegue lidar com o saneamento básico, com os rios convertidos em esgoto, com cenas de máxima sofisticação. Por trás da elegância nas passarelas da São Paulo Fashion Week, há doses intensas de inteligência em capital humano, formando toda uma cadeia produtiva que engloba a chamada economia criativa -uma economia que se estende para o design, a publicidade, a música, o software, o teatro, a mídia e as artes plásticas.
Saem as modelos das passarelas e aparecem, a partir de amanhã, estrelas digitais. Apresenta-se no Campus Party gente como Kevin Mitnick, um dos mais famosos ex-hackers do mundo, cuja palestra será “A arte de enganar”. Outro palestrante é Scott Goodstein, um dos responsáveis da campanha eleitoral do Obama, marcada pela inteligência no uso da internet.
Quanto mais estímulo houver para que os talentos prosperem -parques tecnológicos, redução de impostos, facilidades para abrir negócios, investimento em educação, financiamento de inovações, patrocínios a grupos culturais emergentes-, mais interessante e rica será a cidade de São Paulo. Converter a região central no principal polo de cultura, garantindo a segurança, já teria um impacto gigantesco -daí a relevância do projeto de revitalização da Luz. Ou a criação da praça das Artes no Anhangabaú. Em poucas palavras, o grande projeto é ser uma cidade educadora, atraindo gente criativa e empreendedora, para quem criar e gerar riqueza é um sentido de vida. Fora disso, não há saída -exceto, como pensa a maioria, sair para outra cidade.
PS –Fazer de São Paulo um polo mundial de inovações não é tarefa de um prefeito. Depende de uma visão estratégica nacional que junte os poderes federal, estadual e municipal. Bem diferente dessa visão indigente que coloca o Brasil versus São Paulo. E ainda mais diferente dessa mania deletéria dos políticos de ver a cidade apenas como um trampolim -e ajuda a explicar por que tanta gente se sente abandonada e quer ir embora.